Tomámos a auto-estrada de Cascais e a serra de Sintra começou a aproximar-se pela nossa direita como o lombo negro de algum monstro gigante que mergulhasse do mar para a terra. O padre Matos apontou-me a silhueta do Palácio da Pena no perfil recortado contra o limpo céu da Primavera e depois a Peninha, o outro cume mais alto.
Seguimos para o cabo da Roca aonde fomos olhar para o horizonte, já que eu e o Jaime também nunca tinhamos estado no ponto mais ocidental do continente europeu, e depois, voltando um pouco para trás, deixámos os carros estacionados à beira da estrada e lá fomos, mochilas às costas, entrando pelo bosque, atacando a montanha a passos largos.
Eu fui ficando para trás porque, de todos, era quem menos estava habituado áquilo e não estava com disposição para conversas, ao contrário dos outros e do Jaime, que, familiarizado já com eles, trocava piadas e fazia perguntas sobre acampamentos, caminhadas e nós de escuteiro.
Fui o último a chegar à Peninha, já todos se tinham cansado da vista. Enquanto esperavam por mim tinham aberto as bolachas e os cantis e faziam o primeiro piquenique sentados nas rochas, à beira de uma igreja abandonada. Eu voltei-lhes as costas e fiquei a olhar para o mar e para o pôr-do-sol fulgurante que tingia o horizonte a ouro. Percebi então porque é que o padre Matos insistira para que fôssemos áquela hora. Ele tivera de assegurar umas sete vezes a minha mãe de que conseguiam montar as tendas de noite, antes de ela nos deixar vir, mas valera a pena.
O Jaime veio ter comigo e ficou só ali ao meu lado, deixando-me arder de raiva e de ciúme. Não disse nada. Ficou só a ouvir-me arfar, ainda cansado da subida.
Entretanto o Sol deixou-se engolir pelo mar e a mudança sentiu-se tão subitamente ali na montanha que senti um arrepio de frio correr sobre o suor das minhas costas. Era como se um outro poder se tivesse instaurado sobre a terra. A noite começava agora.
O Jaime deve ter sentido algo parecido porque se aproximou de mim e pôs um braço por cima dos meus ombros. Ficámos ainda um pouco a olhar para o espectro, último rastro de luz que o sol deixara.
“Eles estavam-me a contar que há quem acredite que esta montanha era a ligação do continente da Atlântida à Europa, e que é o único bocado dela que resta fora de água.”
Continuei a olhar para o horizonte e respondi, “Quem inventou isso esteve aqui de certeza.”
Devagar, senti que a minha irritação se dissipava. Bastava que o Jaime estivesse ali, a meu lado. Estendeu-me uma bolacha. Eu sorri.
“Anda”, disse-me, “tens de vir ver a igreja. São Saturnino, lembra-te alguma coisa?”
segunda-feira, 23 de janeiro de 2006
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