Mesmo que haja qualquer coisa de dura verdade nesta analogia de Dom Quixote e Sancho Pança, a nossa relação nunca foi essa. O Jaime para mim é um… (deus, a nossa família é tão complicada!)… um primo, um irmão, um amigo, um amante. É o meu…amado.
Mas deixa-me explicar-te a genealogia. Ninguém ta explicou ainda e isso é-te mais do que devido. É muito simples até, mas, não sei porquê (e, de momento, nem quero tentar saber porquê), enredámo-nos todos, voluntária ou involuntáriamente, numa teia de enganos para quem estava de fora porque se trocaram nomes (e mesmo pessoas, como sabes… mas lá chegaremos…).
O meu pai era, de facto, sobrinho da tia Júlia. É por isso que a minha mãe sempre lhe chamou tia. E eu, de ouvir a minha mãe, chamava-a assim também.
O Jaime chamava-lhe avó Júlia porque ela fora casada com o senhor Augusto, verdadeiro avô dele, mas ela não fora mãe do pai do Jaime.
Ou seja, eu e o Jaime se calhar nem somos suficientemente chegados por laços de sangue para sequer nos chamarmos primos. Crescemos em casas diferentes, mas fomos criados como se fôssemos irmãos.
Aqui está o básico, antes me de meter na dor de aprofundar o assunto. Pensa nisto como uma história e começa a lê-la imaginando-nos a crescer como se fôssemos primos ou irmãos.
Nós moramos com duas ruas de premeio, mas acabámos por fazer uma pequena família, eu e a minha mãe, o Jaime e a avó dele. É que, a toda a volta, para onde quer que se olhasse nos ramos da árvore geneológica, só havia mortos. E desses, evitava falar-se. (Principalmente do meu pai, porque a minha mãe nunca lhe perdoou o facto de ele se ter enforcado na cozinha, no dia do meu primeiro aniversário).
Embora fossemos vizinhos próximos, foi só depois da morte do senhor Augusto que começámos a frequentar mais a casa da tia Júlia. É um bocado parvo dizer “frequentar”, como se fosse um café, porque, na verdade, é a minha outra casa. Foi há tanto tempo que nem me lembro de quando a comecei a sentir isso, que as duas casas eram uma, quase como se a casa onde vivia com a minha mãe fosse o quarto e a cozinha e a casa da tia Júlia, a sala, a biblioteca e o quarto do Jaime (o meu outro quarto).
Voltei a ler o que te escrevi sobre aquele episódio do velório do senhor Augusto e percebi que, de facto, até aquela altura, a casa da tia Júlia era um território inexplorado para mim, com sítios proibidos, assustadores mesmo. E é muito estranho pensar nesses termos sobre um sítio que se tornou um lar para mim e no qual nada me é estranho. Nem mesmo o quarto da tia Júlia, que fora muito tempo o santo dos santos, porque, nos últimos anos, durante a doença dela, juntávamo-nos todos aí, como se fosse a sala, como se nada se passasse…E sabes, nessa altura, nem por um momento me lembrei que fora naquela mesma cama, onde a tia Júlia ia morrendo aos poucos, que eu vira o homem de negro sentado ao lado do senhor Augusto. Nem quando me sentei no mesmo sítio onde ele se sentara e disse ao Jaime, igualmente drenado de sentimentos, constatando o facto, as mesmas palavras que dissera ao homem de negro: ela está morta.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2006
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