segunda-feira, 31 de julho de 2006

Desencravanço

Hoje passei mais de metade do dia a encontrar desculpas para não trabalhar. Foi um ataque de perguiça tão grave que até me pus a ler coisas antigas que tinha escrito. E foi assim que uma história que estava encravada vai para dois anos, de repente, desencravou.
Sejam bem vindos de volta, Zé e Jaquim.


Foi ali mesmo, há muito tempo, que se conheceram. Ali nos baloiços do recreio, primeiro dia de aulas, os dois à espera de vez.
Não gosto da escola. Saltara-lhe isto da boca de repente, irritado também com a comichão que lhe davam as calças de lã que a mãe o obrigara a usar nessa manhã.
Não gostas porquê?
Porque não.
Isso não é resposta.
Diz quem?
Diz a minha mãe.
E quem é a tua mãe?
É a professora.
Isto calou o Zé Manel que já estava pronto para empurrar o menino da mamã para cima das miúdas que saltavam ao elástico.
A tua mãe dá réguadas?
A mim não.
Zé Manel mediu o miúdo de cima a baixo. Só parecia menino da mamã por causa do colete e dos sapatos engraxados.
Como é que te chamas?
Joaquim Manuel dos Santos Ferreira, disse o outro, suspenso na dúvida se deveria acrescentar que já sabia escrever o nome todo. Mas Zé Manel não o deixou dizer mais nada.
Tenho berlindes. Queres jogar?

Pure Listening Pleasure

Andava pela FNAC avec Nú-nô quando ele aponta para este CD
(Camille - "Le fil")
e diz: Este é o melhor disco francês deste ano (ou algo parecido). E eu comprei-o sem pensar duas vezes.
Ele tinha razão. É certo que eu não ouvi mais nenhum disco francês este ano mas isto podia ser um dos melhores discos do ano em qualquer ano em qualquer país. É um daqueles albuns-OVNI que são perfeitos do princípio ao fim e parecem existir só porque alguém gosta MESMO de fazer A SUA música. Vem da mesma solitária dimensão fora do tempo e espaço que "Spirit of Eden" dos Talk Talk ou "Dinamyte" de Stina Nordenstam.
O album chama-se "Le fil" e é claro que o fio condutor de todas as canções (que se estão um bocado nas tintas para encaixarem num formato que se possa chamar mesmo "canção") é a voz de Camille, no sentido literal em que uma nota é mantida do princípio ao fim do disco, como um fio onde as canções se vão enfiando como contas num colar. Mas também os ritmos, os ambientes são quase todos criados com a própria voz e só de vez em quando aparece um intrumento convidado. Um tambor ou um trompete. E quando apetece batem-se palmas. É uma maravilhosa espontâniedade. É claro que se pode referir as influências de Bobby Mcferrin, Laurie Anderson ou a Bjork do último album. Ou da Soul e da música africana. Mas não vale a pena. Camille vale por si mesma como alguém que lhe canta (e fala, e grita e discute, e pensa em voz alta) porque lhe apetece. E é por isso que apetece ouvi-la, uma, duas, três, trezentas vezes. Ouçam-na também assim que puderem.

PS- Merci Nú-nô

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Smogada

Hoje passei o dia a ouvir Smog enquanto trabalhava. Depois resolvi ser mais indolente e procurar as letras das minhas canções favoritas para incrementar o iPod.

Aqui se recolhem algumas pérolas:

de "Drinking at the dam":
For the first part of my life
I thought women had orange skin
It was the first part of my life
Second is the rest

de "Running the loping":
Oh to live in the country
With a chicken and those other things

de "to be of use":
Most of my fantasies are of
Making someone else come
Most of my fantasies are of
To be of use

de "Strayed":
Well I never thought I'd be
One of those men
With pin-ups on their wall
For all to see
I thought that was just mechanics

de "dress sexy at my funeral":
Dress sexy at my funeral my good wife
And when it comes your turn to speak before the crowd
Tell them about the time we did it
On the beach with fireworks above us

segunda-feira, 24 de julho de 2006

O millet

Hoje fiz um desvio no caminho para o supermercado e entrei no Celeiro para comprar pão. Já eram 6 horas e nas padarias já só havia carcaças (o pão com o nome mais correcto do mundo porque de facto sabe a pão morto mesmo quando acabadinho de sair do forno). Aproveitei para me aventurar numas coisas novas e comprei manteiga de sésamo (ainda não sei se gosto) e comprei millet (O cereal. Eu só conhecia o pintor).

Segundo a internet "Millet is one of the oldest foods known to humans and possibly the first cereal grain to be used for domestic purposes". Curiosamente, eu vivi os meus 32 anos sem saber isto.

Segui as instruções da embalagem, lavei os grãozinhos, dei uma leve fritura e cozi durante 20 minutos. Sabia um pouco a papas de milho e embora a água já tivesse sido toda chupada, achei que aquilo podia ter cozido mais tempo. Para salvar a refeição que aquilo ia acompanhar (uns lombinhos de porco com molho de maçã e rábano) resolvi juntar queijo roquefort às papas de millet. Foi bem pensado e funcionou mas de certeza que tripliquei o nível de colesterol da refeição.

Mais uma vez, segundo a internet, "The Hunzas, a people who live in a remote area of the Himalayan foothills and are known for their excellent health and longevity also enjoy millet as a staple in their diet." Acredito que sim, porque aquilo em estado puro tinha um sabor atrozmente saudável. Por outro lado, suponho que os Hunzas não afogam o seu millet em roquefort...

"research on millet and its food value is in its infancy and its potential vastly untapped." Digo o mesmo porque ainda tenho meio quilo de produto para usar em experiencias... até lá, decididamente gosto mais de roquefort do que de millet.

mulheres a beira

Ontem aluguei o filme "Flightplan" só porque me estava a apetecer ver a Jodie Foster. Valeu a pena. A senhora tem mais uma excelente variação de actuação no modelo "estou-aqui-à-beira-do-colapso-nervoso-mas-estou-me-a-aguentar-dentro-do-possível".

(A propósito, quem também é muito boa nisso é a Mary McDonnell, se bem que se especializa mais no "se-me-tocares-com-um-dedo-desato-a-chorar" (ver Donnie Darko e Battlestar Galactica) enquanto que a Jodie é melhor no "se-me-tocares-com-um-dedo-eu-mordo" (ver Contacto e Panic Room))

Ainda me dei ao trabalho de ver os extras do DVD só para concluir que há muita gente a trabalhar (e bem!) em filmes que são uma grande pepinada. Mas recomenda-se, apesar de tudo. Só na ultima meia-hora é que o filme, que se estava a aguentar muito bem, se rende e admite que não sabe descalçar a bota onde enfiou (com bastante convicção e graciosidade) o pé. O final roça o patético.
O que, curiosamente, é o total oposto de outra boa pepinada da Jodie que é o "Nell". Que é patético desde o início mas que depois se sai com um grande final capaz de redimir duas horas de sentimentalismo barato.

Eu gosto da Jodie e da Mary.

domingo, 23 de julho de 2006

adulto

Já sou um homenzinho. De agora em diante passo a ter barba. Comprei finalmente uma daquelas maquinetas de cortar cabelo. Há mais de uma década que sofria com uma barba miserável e mal semeada que não se podia mostrar crescida e que quando usava a gillette me dava borbulhas para vários dias. Mas finalmente posso ter a barba sempre com este aspecto másculo (I want to believe) dos pelinhos uniformemente aparados a 3mm. O meu bigode quase se une ao resto da barba e quase consigo ter patilhas. Isto vai no bom caminho. Já era tempo de deixar de invejar o meu primo que começou logo a fazer a barba aos 11 anos e que, embora a faça todas as manhãs, ao meio-dia já consegue lixar a tinta das paredes.

São curiosas estas mudanças fisiológicas no corpo que envelhece. Felizmente, por enquanto só as vou notando ao nível piloso (de pêlo). As minhas entradas, que se começaram a manifestar logo aos 30, já vão por aqui adentro, criando uma linda península de cabelo ao cimo da testa que se ameaça tornar numa ilhota. É o meu maior terror. Eu não me importava de ser careca. Não tenho nada contra. Até acho sexy nos outros. Mas estes tufos que vão ficando para nos lembrar que a maré está irremediavelmente a descer são ridículos. Daí eu achar que a compra da maquineta de cortar cabelo foi um investimento para o futuro. As ilhotas só se safam com as palmeiras cortadas. No futuro, vejo-me com a barba a ligar ao cabelo nuns uniformes 3mm. A orla marítima é que é capaz de ter um desenho complexo.

Entretanto, parece que a falta de cabelo nas têmporas se deve à sua emigração para outro lado. Nomeadamente para as narinas, orelhas, peito, ombros e costas. Exacto! Aí mesmo onde faz imensa falta. Mas tudo bem, pinça eu já tinha para impedir as sobrancelhas de andarem de mãos dadas.

E depois... os cabelos brancos! São fascinantes e cheios de personalidade. Não lhes basta terem uma cor diferente do outros. Mesmo depois de dois esfreganços com gel na cabeleira, continuam em pé só para chamarem a atenção. Coitadinhos. Por enquanto ainda se sentem muito isolados. Um aqui, outro ali. É por isso que ainda faço uns desvios com a pinça no caminho entre a sobrancelha e a orelha.

É muito cansativo, isto de ser adulto.
Mas podia ser pior. Eu podia ser um wookie.


Moral da história: Olhar sempre para o lado luminoso da vida e continuar a brilhar como um diamante maluco.

quinta-feira, 20 de julho de 2006

123456789

Hoje fiz o meu primeiro sudoku.
Finalmente percebo o fascínio da coisa.

Eu tenho um problema com números. Até hoje continuo sem saber a tabuada de cor (claro que sei a dos 2 e dos 5, mas dos 6 prá frente só contando pelos dedos e fazendo umas adições complicadas.)

Tenho uma amiga minha que durante anos sonhou com uma espiral de números e acordava sempre aterrorizada por se ir aproximando do número no centro da espiral. Curou-se com sessões intensas de psicoterapia e um bocadito de hipnose, mas nunca chegou a saber qual era o número que a aterrorizava.

Eu da minha parte também tenho um sonho recorrente. Sempre que estou nervoso com um prazo de entrega, ou me sinto ansioso em relação á minha competência com qualquer coisa, sonho que alguém descobriu que durante o liceu faltei a todas as aulas de matemática, ou que passei a faculdade toda sem saber que o curso de belas-artes afinal tinha aulas de matemática e que tenho de as fazer para não me invalidarem o diploma.
Isto é tão comum e tão patético que até enquanto estou a ter estes sonhos já estou consciente do que querem dizer.

Foi por isso que demorei tanto tempo até me decidir a experimentar o sudoku. Mas hoje na casa de banho havia um jornal e uma caneta e acabei por ficar lá mais tempo do que o estritamente necessário. Aquilo dá mesmo pica. Há um momento mágico em que os numeros começam todos a encaixar e vai tudo a bater certo de enfiada. Melhor só rebentar bolhinhas nos plásticos das mudanças.
Ou borbulhas.
Com muito pus.

quarta-feira, 19 de julho de 2006

os nomes dos bois

Uma das coisas mais tristes e divertidas que me foi acontecendo no ano em que o livro "Olhos de cão" foi editado, foi o modo como muita gente se sentiu à vontade para me falar sobre os escritores homossexuais portugueses.
É claro que isto aconteceu porque eu pus a palavra "homossexual" no texto da contracapa e não fiz mistério nenhum a explicar que Skråmestø é o sobrenome do meu namorado. Ou seja, como se costuma dizer, chamei os bois pelos nomes. Não sei se fui corajoso ou ingénuo. Ao que parece, é uma coisa que "não se faz". Na editora, nas primeiras reuniões, só vagamente se aludia à "temática especial" do livro. Depois lá acabaram por perceber que eu não sou exactamente um "jovem sensível" e passou a haver conversas mais "normais".
Entre 2003 e 2004 andei divertido a dar alguns autógrafos e entrevistas e a tomar pela primeira vez contacto com distribuidores, livreiros, jornalistas e até outros escritores. E o que acontecia invariavelmente era estes aproveitarem-se dos meus pacientes ouvidos para me porem a par do "quem é o quê" no panorama literário português. E, de repente, apercebi-me de que afinal Portugal tem uma data de escritores homossexuais. Até mesmo daqueles bons e famosos.
Mas, sem grande surpresa, no meio literário português acontece o mesmo que entre actores, cantores, políticos, desportistas e figuras públicas em geral. Estão todos no armário. Ou melhor, vão estando. Aparentemente toda a gente sabe que eles são mas como eles não dizem que são, então "oficialmente" não são.
Eu compreendo que, por exemplo, um ministro da defesa ou um primeiro ministro, tenham medo de não serem levados a sério por admitirem que preferem carinho masculino. Mas no caso de artistas criadores, isso deixa-me um bocadinho triste.
É claro que lá por um escritor ser homossexual não tem obrigatoriamente que escrever sobre isso, mas, acreditem, estar dentro do armário literário é o mesmo que estar no armário da vida. Quem não consegue viver a 100% também não consegue escrever a 100%. É escrever sempre à defesa.
Assim de repente, lembro-me de pelo menos dois livros de dois escritores desta ceifa que tinham tudo para serem excelentes livros e não são. Precisamente porque aludem vagamente a tendencias homossexuais nas suas personagens principais e depois acabam por sacudir a coisa como se fosse irrelevante. No final, a sensação que fica é que o escritor não é honesto nem para com o leitor nem para com as suas personagens (o que é mais grave!).
Se isto ficasse por aqui, seriam apenas histórias tristes de pessoas tristes (mesmo que satisfeitas com prémios da APE). É mais chato quando aparecem nos jornais a dizer que "literatura gay e lésbica" não existe ou que é um rótulo e todos os rótulos são maus (embora este seja pior que os outros, claro).

terça-feira, 18 de julho de 2006

o meu top series de televisao

Alguem que leia este blog já deve ter reparado que eu sou um bocadinho (eufemismo) viciado em séries de televisão.
Hoje fica aqui a lista de séries que vejo (ou vi recentemente), por ordem de preferência e divididas em Drama, Comédia e Mini Séries.

DRAMA
Deadwood
Battlestar Galactica
The Wire
Weeds
Lost
Huff
Rescue Me
Entourage
Carnivale
Nip/Tuck (a primeira temporada sozinha poderia por a série mais acima na tabela, mas as seguintes mandaram-na cá para o fundo)
Queer as Folk (americana)

COMEDIA
Will & Grace
The Office (inglesa e americana)
Scrubs

MINI SERIES
Bleak House
Tales of the city
North and South (BBC)
Band of Brothers

segunda-feira, 17 de julho de 2006

projecto para esta semana



Fazer isto com 1m de diâmetro.

Entrei numa fase megalómana. Não mais quadrinhos de 30 cm. Agora é ao metro!

sábado, 15 de julho de 2006

A minha cançao do ano

Achei a minha canção do ano: "Province" dos Tv on the Radio.
Hoje já a ouvi umas 20 vezes.
E depois rezei para que o David Bowie (que canta no coro!) convoque esta gente para lhe produzir o próximo album...

Lema para os próximos meses 4AD IS NOT DEAD!



Artist: TV On The Radio
Album: Return To Cookie Mountain
Year: 2006
Title: Province

Suddenly, all your history's ablaze
Try to breath, as the world desintegrates
Just like autumn leaves, we're in for change
Holding tenderly to what remains
And all your memories, are as precious as gold
And all the honey, and the fire which you stole
Have you running through all your red cheeked days
Shaking loose these songs from their sacred hiding space

Hold your heart courageously
as we walk into this dark place
Stand steadfast erect and see
that love is the province of the brave

Push under this expanse of bursting stars
Let this burning brightly illumintate where we are
Build this hallow that lovers voices occupy
Let it follow That we let it free, let it fly

Breaking open the walls of this cage
Intoxicated, oh so amazed
Much like falcons tumbling from the heights ablaze
conjoined, talons engaged

Hold your heart courageously
as we walk into this dark place
Stand steadfast erect and see
that love is the province of the brave

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Quase Nada

Há uma coisa que irrita: as embalagens do fiambre.

Que raio quer dizer "Fiambre da perna extra"? Eu já nem me preocupo em saber de que animal vem o fiambre mas é perturbante o desplante com que eles nos dizem que é tirado de uma perna extra, que talvez o animal não tivesse em circunstâncias normais.

Também não percebo como é que tiveram a idéia das "Fatias finíssimas". Não era mais honesto chamar áquilo "Aglomerado de fiambre desfeito em fanicos"? Já alguém alguma vez consegui descolar uma daquelas "fatias" inteira e intacta? Não vejo onde está o suposto glamour da coisa quando se tem de chafurdar com as dedongas para sacar uma lasca de aglomerado.

Isto para não falar no grande eufemismo da embalagens que se orgulham de ter uma "Abertura fácil". Não há cola mais forte que aquela. E é melhor afiar a faca antes de atacar aquele fabuloso plástico super resistente.

A minha desculpa para este post? Passa da meia-noite, está um calor do caraças e estive a beber sangria.

segunda-feira, 10 de julho de 2006

no DVD

Depois dos advogados, dos médicos, dos polícias, dos cowboys e dos agentes funerários, eis que chega a vez dos Psiquiatras e dos Bombeiros terem direito a duas excelentes séries dramáticas (com uma pitada de comédia). Ambas são bastante recomendáveis, ambas têm actores (muito justamente) nomeados para os Emmys, ambas têm uma pontinha gay (parece que é moderno). Foram duas semanas bem passadas a aumentar a mossa no sofá. Encomendando as duas juntas na amazon.uk dá um desconto simpático.

Huff


Rescue Me


Descobri ontem que o "Rescue Me" estreia sexta-feira na SIC. Em português chama-se "Socorro"

Entretanto, Battlestar Galactica Season 2 só sai no fim de Agosto. Mas eu quero! Agora! Já!

domingo, 2 de julho de 2006

o interruptor

Na sexta-feira saí à noite em Lisboa.
Um verdadeiro evento, tendo em conta que a minha frequeencia de bares e discotecas poder-se-ia dizer limitada aos aniversários do rei. Mas, como estava com antigos colegas de faculdade e extremamente bem disposto (e convenientemente perto de casa), lá estava eu, ainda acordado à 3 da manhã, a dar um (minusculo) pézinho de dança.

Depois de restaurante e bar, o nosso heterogéneo grupo foi acabar a noite numa festarola que decorria num bar/sítio que nunca associei a nada gay, mas, assim que lá entrámos, o meu gaydar disparou e desatou a apitar em todas as direcções. A princípio, julguei que era o sistema avariado, resultado de muito tempo passado dentro casa e falta de exposição a menores de 30 anos. Mas, uma avaliação fria e racional acabou por me confirmar que o gaydar raramente falha ou avaria.

Quando chegámos abanava-se a anca com umas "inofensivas" Bangles e Katrina and the Waves, mas o que parecia um ocasional êxito dos Wham ou um toque portuga com António Variações, encarreirou com os Communards, meteu-se pela Donna Summer e para o resto da noite já não conseguiu sair de uma areia movediça de Chic, BonneyM e semelhantes lantejoulas musicas do anos 70. Suava-se em bica, e quem não dançava era maricas. Ou seja, a noite foi peneirando os heteros para fora da pista de dança e rapazitos e rapazitas, que inicialmente pareciam apenas felizes, às tantas não hesitavam em demonstrar publicamente o seu afecto. Era bonito. Era simples e táva-se bem. E eu nunca tinha estado num bar ou discoteca gay português que fosse assim, tão à vontade, tão descomprometido.

E hoje pus-me a pensar. Será que aquele evento se tornou “gay” precisamente porque não era suposto ser gay? E, se fosse suposto ser, teria alguma vez conseguido atingir com tanta facilidade aquele saudável nível de bem estar e convívio social entre heteros e homos? (E alguém consegue ler esta frase anterior sem se sentir com prisão de ventre?)

Num post que li recentemente no blog do Miguel Vale de Almeida, ele comentava a fraca adesão à marcha e arraial gay (aos quais eu não fui com uma muito boa desculpa (possivel variante do mesmo alibi de todos os que não foram mas acham que deveriam ter ido)). Dizia ele algo que digeri assim: Se calhar estes modelos de marcha e festa de orgulho gay têm pouca adesão porque são um modelo importado que não se aplica bem ao nosso tecido social.

Parece-me que isto aponta numa boa direcção. Nós somos um povo que se caracteriza pela fraca adesão, passividade (no sentido normal da palavra) e falta de espontâniedade.
Veja-se as taxas de abstenção nas eleições.
Veja-se a duração da nossa ditadura.
Veja-se a mínima quantidade de tiros e sangue na revolução de 25 de Abril.
Veja-se os nossos desfiles de carnaval

E no entanto...
Veja-se o que acontece quando a selecção ou um dos três principais clubes de futebol ganham um jogo/campeonato.
Veja-se o funeral da Amália, do Àlvaro Cunhal e daquele miúdo dos Morangos com Açúcar
Veja-se o Coliseu a esgotar com o Tony Carreira e as longas temporadas dos musicais do LaFéria.

Hummm...

Faz de facto falta animar a malta, nisto do activismo, solidariedade e visibilidade gay em Portugal. Mas a malta não se anima apenas gritando "animem-se!". É preciso descobrir o interruptor que ligue a espontãniedade de todos os rabetas, fufas e travecas portugueses. Principalmente o interruptor daqueles que permanecem ainda mais desligados quando acham que esse interruptor vai mostrar apenas rabetas, fufas e travecas e não a simples verdade: pessoas. Um grupo socialmente muito diversificado de pessoas.

Estas comemorações do orgulho gay junino têm origem na carga de porrada que rabetas, fufas e travecas americanos deram aos polícias que faziam uma rusga num bar na noite da morte da Judy Garland. Fizeram muito bem e pessoalmente não tenho o menor problema em acenar uma bandeirola multicolorida nesse dia para o comemorar, mas, pensando bem, que grande estímulo é afinal esse para um simples portuguesinho?

Na sexta-feira à noite, a malta à minha volta estava de facto animada. Espontâneamente. Sem precisar de bandeirola para demarcar território ou de uma data especial para socializar e se misturar no mundo. E se alguém tivesse ido lá chatear tinha de certeza apanhado uma carga de porrada. E tenho a certeza de que se isto aconteceu à minha frente na sexta-feira pode acontecer noutros dias.

Agora, onde raio fica este interruptor da naturalidade e espontâniedade dos homossexuais portugueses? E como se liga?

Alguém vá lá saber, sff.