quarta-feira, 19 de julho de 2006

os nomes dos bois

Uma das coisas mais tristes e divertidas que me foi acontecendo no ano em que o livro "Olhos de cão" foi editado, foi o modo como muita gente se sentiu à vontade para me falar sobre os escritores homossexuais portugueses.
É claro que isto aconteceu porque eu pus a palavra "homossexual" no texto da contracapa e não fiz mistério nenhum a explicar que Skråmestø é o sobrenome do meu namorado. Ou seja, como se costuma dizer, chamei os bois pelos nomes. Não sei se fui corajoso ou ingénuo. Ao que parece, é uma coisa que "não se faz". Na editora, nas primeiras reuniões, só vagamente se aludia à "temática especial" do livro. Depois lá acabaram por perceber que eu não sou exactamente um "jovem sensível" e passou a haver conversas mais "normais".
Entre 2003 e 2004 andei divertido a dar alguns autógrafos e entrevistas e a tomar pela primeira vez contacto com distribuidores, livreiros, jornalistas e até outros escritores. E o que acontecia invariavelmente era estes aproveitarem-se dos meus pacientes ouvidos para me porem a par do "quem é o quê" no panorama literário português. E, de repente, apercebi-me de que afinal Portugal tem uma data de escritores homossexuais. Até mesmo daqueles bons e famosos.
Mas, sem grande surpresa, no meio literário português acontece o mesmo que entre actores, cantores, políticos, desportistas e figuras públicas em geral. Estão todos no armário. Ou melhor, vão estando. Aparentemente toda a gente sabe que eles são mas como eles não dizem que são, então "oficialmente" não são.
Eu compreendo que, por exemplo, um ministro da defesa ou um primeiro ministro, tenham medo de não serem levados a sério por admitirem que preferem carinho masculino. Mas no caso de artistas criadores, isso deixa-me um bocadinho triste.
É claro que lá por um escritor ser homossexual não tem obrigatoriamente que escrever sobre isso, mas, acreditem, estar dentro do armário literário é o mesmo que estar no armário da vida. Quem não consegue viver a 100% também não consegue escrever a 100%. É escrever sempre à defesa.
Assim de repente, lembro-me de pelo menos dois livros de dois escritores desta ceifa que tinham tudo para serem excelentes livros e não são. Precisamente porque aludem vagamente a tendencias homossexuais nas suas personagens principais e depois acabam por sacudir a coisa como se fosse irrelevante. No final, a sensação que fica é que o escritor não é honesto nem para com o leitor nem para com as suas personagens (o que é mais grave!).
Se isto ficasse por aqui, seriam apenas histórias tristes de pessoas tristes (mesmo que satisfeitas com prémios da APE). É mais chato quando aparecem nos jornais a dizer que "literatura gay e lésbica" não existe ou que é um rótulo e todos os rótulos são maus (embora este seja pior que os outros, claro).

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