Eu nunca compreendera bem as reticências que a minha mãe punha em relação à tia Júlia. É que, apesar de termos começado a passar muito tempo lá, ela nunca deixava de manter uma certa frieza (que nem sequer lhe vinha dos genes alemães). A princípio, suponho que, de um modo inconsciente, liguei isso ao suicídio do meu pai mas, como esse era o assunto de que nunca se falava, apesar de estar no cerne do nó que unira as nossas famílias, deixei que continuasse imerso nas névoas do tabu.
Eu já devia ter uns treze anos quando, finalmente, me tive de confrontar com uma parte da vida da tia Júlia que, embora estivesse estado sempre presente, eu nunca tinha verdadeiramente visto, ou tomado consciência que existisse.
Aconteceu da maneira mais prosaica, ao fim de uma tarde em que a minha mãe me pedira para ir comprar batatas e cebolas à mercearia da esquina (que fica precisamente na esquina da rua entre a da tia Júlia e a nossa). Eu esperava para pagar, enquanto uma freguesa à minha frente falava com a dona do estabelecimento. Eu não seguia a conversa porque olhava para os chocolates, mas a certo ponto uma delas começou a falar de uma mulher do bairro que, pela descrição, eu identifiquei imediatamente como sendo a tia Júlia, embora o nome não fosse mencionado. E depois, referiu-se a ela como bruxa. E não era um insulto, ou mera difamação porque (e isto foi o que mais me surpreendeu), ao dizer a palavra, a sua voz baixou para um tom de grande respeito, ou reverência mesmo.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2006
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