Mas o curioso é que, quanto mais nos afastávamos nas disciplinas de estudo, ele com os desportos e o árabe e eu com a música e o norueguês, mais próximos nos sentíamos. Passávamos fins de tarde e fins de semana juntos, a conversar, a construir o nosso pequeno mundo a partir do que cada um trazia, dizia, pensava. Mas éramos párias. Era difícil fazer outros amigos, na escola ou fosse onde fosse. Não conseguíamos pertencer a sítio nenhum senão juntos. E isso tornou-se cada vez mais… insuportável.
Houve algumas tentativas de nos pôr a socializar com outros “jovens”, todas falhadas. Eu não tinha nada para conversar com outros alunos da Runa e o Jaime contentava-se a mandar para o colchão todos os colegas do Judo. Até a tia Júlia, achando-nos demasiado “incestuosos”, convenceu-nos uma vez a ir acampar com o padre Matos e um grupo de antigos escuteiros.
O padre Matos tinha começado a aparecer com alguma regularidade lá por casa. Ele parecia apreciar as discussões teológicas que tinhamos com ele, mesmo que eu e o Jaime o deixássemos com os cabelos em pé com algumas das nossas opiniões sobre religião. Chamava-nos “os pequenos comunistas”. E eu levava-o a sério e tentava-lhe explicar que embora os meus pontos de vista tivessem de facto uma base socialista, havia ainda assim um sentido gnóstico em mim que me levava a achar as teorias marxistas um tanto áridas. Mas ele nunca lera Marx e não percebia bem do que é que eu estava a falar. Por isso não me levava a sério.
Não que ele nos tentasse pregar a fé. Nada que se parecesse. Desde o pricípio que ele percebera que éramos um caso perdido, mas acho que ele gostava das nossas discussões precisamente para reassegurar a sua própria fé. Não há como ter alguém contra nós para nos ajudar a solidificar crenças e argumentos. E acho que ele devia também estar um pouco farto de falar com as beatas, que embora fossem as da freguesia da Sé de Lisboa, pouco se desviavam nas suas conversas dos dogmas de um catolicismo supersticioso de aldeia.
Assim aconteceu que, tendo-se ele tornado uma visita relativamente regular, a tia Júlia lhe acabasse por pedir que ele nos levasse “a arejar” num passeio de antigos escuteiros que ele mencionara.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2006
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