terça-feira, 27 de dezembro de 2005

021 - Os Herdeiros

Voltemos àquela tarde.
Enquanto descia as escadas, de volta ao apartamento da tia Júlia, escondi o livro debaixo da camisola. Estava decicido a não mostrar fraqueza, orgulho ferido ou o que fosse.
Ela estava na cozinha, a arranjar feijão verde, e quando eu entrei levantou apenas os olhos por um segundo.
“Então? Achaste alguma coisa que te interessasse?”
“Não.”
“É natural. É demasiada tralha.”
“De onde vieram aqueles livros. Não são seus, pois não?”
“Agora são. Mas vieram de muitos sitios diferentes. A maioria foi herdada. A família do Augusto lia muito.”
“Porque não os dá?”
“Porque havia de o fazer? E a quem havia de os dar?”
“Não os vai ler todos, pois não? Podia doá-los a uma biblioteca.”
“Mas eu gosto de cuidar deles. E os livros encontram sempre os seus leitores. Tarde ou cedo eles chamam alguém para os ler. Nem que leve anos... ou séculos... Não te preocupes por eles estarem fechados. Não estão. Os livros têm uma vontade própria e só se deixam ler quando querem, não achas?”
“Não sei.”
“Trancaste a porta e trouxeste a chave?”
“Sim.”
“Então guarda-a. Fica essa para ti. E depois, quando acabares de ler esse livro que tens escondido na camisola, volta a pô-lo lá.”

3 comentários:

Anónimo disse...

Daniel, confesso-te uma pequena subversão ao tipo de leitura de um folhetim: fiz copy paste de todos os capítulos dos Herdeiros, mandei a impressora imprimir e depois li, ontem à noite, antes do sono. E porquê? Porque não tinha lido nada ainda e porque não aprecio ler no écran...
Bom, mostras um universo cativante, sem dúvida, e vou continuar a seguir este folhetim! Achei piada às aulas de piano ;-)
Pergunto-te: vais escrevendo à medida que queres, ou se já tens tudo escrito antecipadamente?...
Abraços mouros!

Daniel J. Skråmestø disse...

Seja bem aparecido neste blog, senhor Nuno! Pagarás pelas impressões pirata da próxima vez que puseres os pés em Lisboa, mas de qualquer maneira, obrigado pelos comentários, já sabes que são sempre bem vindos.
O que aparece aqui escrito está quase em ligação directa com o meu cérebro. Não escrevo nada antecipadamente e, embora ande a fazer alguma pesquisa sobre assuntos que vão aparecer no futuro, não tiro notas nenhumas. A piada de escrever isto é precisamente ter apenas uma vaga ideia do que quero e depois, mal os dedos batem nas teclas, sai uma coisa inesperada, guiada pelas personagens e pelo vento do dia.
Abraços capitalistas!

Anónimo disse...

Caro amigo que estais na capital do nosso país, obrigado pelas respostas! Que as personagens te guiem por caminhos cada vez mais interessantes :-)
Até breve, mouros abraços*