terça-feira, 14 de junho de 2005

Eugenio de Andrade no clube dos Poetas Mortos

A pedido de várias famílias, um momento de escrita para teatro:

Clube dos poetas mortos, na nuvenzinha cor de rosa que lhes está reservada lá no céu e de onde podem disfrutar do eterno pôr do sol que supostamente tanto lhes agrada:

Sophia:
- Então Genito, onde achas que vão pôr citações dos teus poemas?

Eugénio:
- Os meus poemas são cada pedra, cada folha, cada raiz.

Sophia:
- Não é isso, palerma. Olha, por exemplo, cada turista que vai ao oceanário tem que aturar uns versinhos meus em cada canto. Se sobem ao Castelo de São Jorge a ver a vista, lá está um poemita meu numa plaquinha. Assim, com sorte, os meus quadrinetos vão estar a ganhar anualmente mais dinheiro com a minha obra do que eu ganhei a vida toda.

Teixeira (de Pascoaes):
- Vocês têm sorte, morrerem em tempo de tanta construção nova. A mim só me calhou um banquinho frente à torre de Belém para turistas peidorrentos.

Sophia:
- Então, o que achas que preferes? A Casa da Música, as Estações do Metro ou o Estádio do Dragão? Se calhar o estádio é o melhor, tu deves ter uns versitos sobre a relva, não?

Eugénio:
- Mas isso tem mesmo de ser? Têm mesmo que gravar as minhas palavras em pedra, metal ou acrílico?

Fernando:
- É o único caminho para a imortalidade do poeta. Isso ou uma estátua onde os turistas se possam sentar ao teu colo para tirar fotos.

Eugénio:
- Eu de facto tenho uma ideiazita...

Sophia:
- Então conta lá à malta, Genito. Não te acanhes.

Eugénio:
- Eu a modos que via assim um mega neon circular por cima do Porto todo e depois, em grande letras ao longo da margem do rio, para se ler dos miradouros de Gaia: "Era um burgo feio e sujo, mas gostava tanto de lhe pôr um diadema na cabeça"

Luís (de Camões):
- Parece-me uma boa idéia, mas nas actas do clube já se reservou para um tal de Carlos Tê, o futuro espaço de plaquinha em miradouros de Gaia para pôr a popular citação: "ver-te assim abandonada, nesse timbre pardacento".

...silêncio entre os poetas...

Eugénio:
- ...sim, mas é claro que o neon só ia funcionar durante um mandato camarário!

cai o pano