quarta-feira, 28 de junho de 2006

A discriminaçao

As palavras que nos saem da boca têm tendencia a surpreender-nos. Outro dia dei por mim a dizer a alguém que nunca me tinha sentido discriminado enquanto homossexual.
Mas que grande eufemismo!
Passado uns minutos de ter dito esta barbaridade dei por mim a pensar se de facto tinha motivos para poder dizer isto.

A verdade é que a minha vida é muito sossegada, confortável e feliz e tem dias deliciosamente burgueses (que incluem férias em países estrangeiros e compras despreocupadas em sites de internet). Tenho a grande sorte de estar bem acasalado (amantizado também é uma palavra que me agrada) há uma data de anos. Quase desde a altura em que pus o pé fora do armário. Aos 24 anos... !!!!!
Ou seja, sou homossexual oficial, muito feliz e com muito orgulho há menos de uma década. A estupidez alheia passa-me ao lado ou faz ricochete na carapaça da minha felicidade. Como naquela vez em que o meu vizinho "beato" disse aos pedreiros que trabalhavam em minha casa que era uma vergonha estarem a trabalhar para paneleiros. Graças ao Deus dele, isto deu-me mais vontade de rir do que de lhe partir as trombas. Porque felizmente, vivo numa época, num país e numa sociedade onde tal comentário pode ganhar toda a irrelevância que merece. Não só os pedreiros não se foram embora horrorizados, como ficaram mais tempo que o previsto (ou seja, tudo normal).
Olhando para a minha vidinha em perspectiva, há de facto um ponto charneira nesta coisa da discriminação. Foi aquela altura em que resolvi sair do armário e percebi que ser um grande panilas não era uma coisa que me metia medo e que até tinha bastante piada. Claro que podia ter acontecido mais cedo mas, je ne regrette rien.
Daí que a minha conclusão simplista poderia ser: só somos afectados por aquilo que deixamos que nos afecte. Os cães ladram e a caravana passa, etc..

A minha tirada eufemistica sobre a discriminação saiu naquele contexto de "conselhos aos gays mais jovens" (mesmo quando os mais jovens têm 45 anos e são casados com 2 filhos). Mas, pensando bem, quem sou eu para dar conselhos a alguém sobre discriminação? Sou um jovem homem branco, não sou gordo, não sou feio e, se estiver calado, até passo por hetero. Ou seja, não fosse este pequeno acidente da (des)orientação sexual se calhar não tinha motivos para me queixar de nada, o mundo seria a minha ostra e minha vida um tédio. De todos os "males" de que poderia padecer, sou suficientemente sortudo para me ter calhado este d' "o amor que não se atreve a dizer o seu nome", que se pode mostrar ou esconder à sociedade, nutrir em casulo o tempo que se quiser até a borboleta estar pronta para abrir as asas.

No meu voo de borboleta, nos meus 9 anos de paneleirice aberta ao mundo, tenho de facto tido a sorte de nunca me ter sentido verdadeiramente discriminado enquanto homossexual. Não perdi amigos, não me recusaram empregos, não me deserdaram, não me cuspiram em cima, não me apedrejaram, não me atiraram para dentro de um poço, não me enforcaram numa ponte.
Claro que há pessoas que sentem mais aquela coisa inglesa do “paus e pedras podem partir-me os ossos, mas só as palavras me magoam” mas ainda por cima, eu nem sou uma delas. Estou-me um bocado nas tintas para conversas de taxistas, vizinhas beatas e treinadores de futebol.
Por várias vezes me têm chegado às mãos alguns inquéritos sobre a vida dos homossexuais que, depois de preenchidos eu acabo por não entregar para não estragar as estatísticas. É deprimente olhar para eles e constatar que nunca tive nenhum problema sério por ser gay.

Que fazer então com esta minha vida aparentemente atípica? Se calhar o melhor é mesmo reduzi-la a um eufemismo. Aproveitar para dizer, sem mentir por aí além, que “nunca me senti discriminado enquanto homossexual” e incitar algumas almas atromentadas a procurar um pouco de verdade nas suas vidas.

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