Deixei um recado à minha mãe, “Já voltámos, estou em casa do Jaime.”, e corri para lá.
Ele estava na sala, com a televisão ligada em altos berro e as luzes da casa todas acesas. Quando entrei levantou apenas os olhos para confirmar que era eu e deixou-se ficar enterrado no sofá a ver os anúncios.
“Então? O que é que foi?”
“Nada. Não me apetecia estar sózinho.”
Eu olhei em volta. As luzes estavam mesmo todas acesas. Fui até ao fundo do corredor e comecei a apagá-las. O quarto da tia Júlia, o quarto do Jaime, o quarto de hóspedes, a casa de banho, a cozinha, a despensa, o corredor. E na sala apaguei a luz forte do tecto porque os candeeiros das mesas e atrás do sofá também estavam acesos. Depois sentei-me ao lado dele, que continuava com os olhos pregados no écran e fingia não reparar no que eu estava a fazer. Peguei no controle remoto e baixei o som. Ficámos a ver a quarta parte de um filme idiota com o Van Damme que aparecera para interromper os anúncios. Meia hora depois ele continuava sem dizer palavra e eu estava farto daquilo.
“Conta-me o que se passou ou dou-te um murro.”
Isso pelo menos pô-lo a sorrir. Mas foi só um segundo.
“Eu tinha começado a tirar coisas da mochila quando ainda vinha a subir a escada para encontrar as chaves. Por isso entrei em casa com montes de coisas nas mãos e não acendi a luz. Pensei que a vó Júlia estivesse no quarto dela, que se tivesse deitado mais cedo ou qualquer coisa assim. Fui lá para lhe dizer que tinhamos voltado mais cedo, mas o quarto estava às escuras. Primeiro pensei que ela estivesse a dormir, mas depois vi que a cama estava feita… mas sabes… eu senti… não sei… uma presença, como se ela estivesse mesmo lá... Acendi a luz mas não vi nada. E fui espreitar debaixo da cama e dentro do armário, feito parvo. Não sei porque fiz isso.
Depois foi na casa de banho. Estava a lavar a cara e quando me olhei ao espelho tive uma sensação estranhíssima. Foi como se tivesse olhado para outra pessoa. Era eu, sabes?, o meu reflexo no espelho, mas era como se a minha cara não me pertencesse. Foi mais como… não sei, como olhar por uma janela. E o reflexo do espelho era mais real do que eu. Percebes o que quero dizer?”
“Não.”
Ele não disse mais nada.
“Foi só isso?”, perguntei eu.
“Eu sabia que ias achar estúpido.”
“Mas foi mesmo só isso? Não viste nada…sei lá… mais estranho?”
“Não. Não vi nenhum fantasma.”
Ficámos a olhar um para o outro muito sérios até nos termos de começar a rir da nossa seriedade.
“Achas que a vó Júlia e a tua mãe foram ao cinema?”
“Sim. Aproveitaram não estarmos cá para irem ver o novo filme do Van Damme.”
“És tão parvo.”, disse ele. Pegou no controle da televisão e apagou-a. Não dissémos mais nada durante um bocado. Eu olhava para ele. Ele olhava em frente para lado nenhum.
“Mas a sério, António, foi como se o meu corpo não me pertencesse.”
quarta-feira, 1 de março de 2006
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1 comentário:
Como diz um amigo meu mexicano (isto é para parecer culto), huy que miedo!
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