sábado, 15 de setembro de 2007
Subtilmente Queer
A escolha de "A casa de Alice" como filme de abertura do festival Queer Lisboa pareceu estranha a muita gente, ontem à noite.É afinal um filme onde, de homosexualidade, há apenas algumas vagas sugestões.
No entanto, a meu ver, foi a escolha certa para marcar um novo rumo para o festival. Longe de lantejoulas ou de erotismo de pacote, "A casa de Alice" é um filme que transpira sexo por todos os poros. É um filme, que sem nunca se tornar gráfico, questiona, sem nunca fazer directamente a pergunta, o papel do sexo no núcleo familiar. E é afinal de contas, de sexo que se fala, quando se fala de homosexualidade, mesmo que, para isso seja preciso enfrentar o sexo hetero.
O sexo é o grande papão da homosexualidade, é a parte que mete medo a toda a gente (inclusivé a jornalistas que acham que sexualidade fora da norma não é bom tema para um festival de cinema e por isso o ignoram). Fazer por isso um festival destes é, à partida, estar a pregar aos convertidos e podia não passar de uma ocasião de servir bolo a gulosos.
Felizmente, finalmente, à sua 11ª edição, nota-se claramente na escolha dos filmes programados uma vontade de mudar o rumo do festival. A mudança do nome do festival, de "gay e lésbico" para "queer", serve como assinatura (pouco "popular", mas que se há-de fazer, tendo em conta a falta de vocabulário português capaz de ser tão abarcante).
Por isso, integrar no festival, na competição, um filme como "A casa de Alice" e escolhê-lo para a sessão de abertura, abanando-o como bandeira é um acto a louvar. É prova de inteligência.
Este filme brasileiro, dotado de um excelente elenco serve como peephole para observar um núcleo familiar - Pai, Mãe, três filhos e avó - e deixa-nos à vontade para olhar em redor e construir histórias, tirar conclusões. O seu realismo, mais do que das situações que mostra, vem da sua pouco apertada malha ficcional (que, verdade seja dita, aborrece aqui e ali). Não é filme para perguiçosos. Servi-lo a uma audiência de um festival como este é lançar um desafio ousado, que, espero venha a ser aceite.
Numa altura em que qualquer paneleirice pode ser baixada da net é precisamente para isso que precisamos de festivais e (principalmente) programadores. Uma programação, mais que um filtro, é uma escolha, logo, também uma mensagem, um discurso. Assumir que um festival não é só festa e entretenimento mas também espaço de reflexão e descoberta é uma atitude que merece o nosso reconhecimento.
Obrigado então a toda a gente que se dispôs a repensar este festival, para que nós pensemos também.
"A casa de alice" volta a passar amanhã, Domingo às 16h
Programação do festival, Aqui
http://queerlisboa.blogspot.com/
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Concordo plenamente, o filme não tem a carga sexual ostensiva que se encontra em muitos filmes, o que por si só não faz deles melhores ou piores mas que pode, à partida, afastar algum público e deixar o festival associado a generalizações fáceis. Só tive pena de ter ficado desiludido no último terço, quando a protagonista passou de mulher de armas com coração a bitch desalmada. Acho que a transição não foi feita de forma convincente e o pessimismo exagerado do final irritou-me e afastou-me do filme.
Pois, o finzinho podia ter sido melhor. Por mim a coisa resolvia-se bem com a protagonista feliz da vida a caminho do Paraguai e só depois, a fechar, aquelas mesmas imagens da casa, consequentes da falta de mulheres.
Concordo com o que escreves. Este novo rumo pode não agradar a alguns, que gostariam de ter um festival só político, mas, parece-me que o caminho é claramente o da qualidade cinematografica, para ser ou continuar a ser um festival de Cinema credível. É de louvar esta opção por parte dos programadores.
Quanto aos jornalistas que tentam ignorar este festival, parece-me claro que é pela temática. ´Quando se dá amplo destaque a vários outros festivais e se tenta ignorar um com esta dimensão,´só percebo que seja pela temática. Independentemente de concordarem, ou não, com o festival, deviam noticia-lo. Não o fazendo demonstram preconceito e falta de profissionalismo.
Enviar um comentário