domingo, 26 de agosto de 2007

Eduardo Prado Coelho 1944-2007

É curioso pensar nos papéis que as pessoas representam nas nossas vidas. O Eduardo Prado Coelho era uma pessoa que eu não conhecia de todo e no entanto teve a grande gentileza de aparecer como guest star num episódio importante da minha vida.

Quando em 2003 a Dom Quixote se preparava para editar o "Olhos de cão" perguntaram-me quem é que eu gostaria que apresentasse o livro na sessão de lançamento. Como eu tinha estado a viver 4 anos fora de Portugal e também não conhecia ninguém ligado à intelectualia literária portuguesa (que aliás continuo a não conhecer, tirando talvez o Possidónio Cachapa que, curiosamente, me foi apresentado nessa altura por um amigo, precisamente como candidato à apresentação do livro) não me ocorreu qualquer nome. Foi aí que o Nelson de Matos, na altura director da Dom Quixote, sugeriu o Eduardo Prado Coelho. E eu lembro-me de pensar para com os meus botões: "Quem?!". Mas como o nome foi proferido com tanta reverência e até me soava vagamente famoso resolvi alinhar e deixar seguir o convite.
Nas semanas seguintes, cada vez que referia o seu nome aos meus amigos menos despassarados do que eu, fazia-se um pequeno silêncio reverencial antes de um "Ena pá!" impressionado.

Até hoje continuo sem ter a completa noção da influência e qualidades deste senhor (só li meia dúzia das suas crónicas) mas nunca o esquecerei e estarei sempre em dívida para com ele.

O nosso contacto verbal limitou-se a uns "boa-tarde" e "Adeus, muito obrigado" acompanhados de apertos de mão. No entanto, a apresentação crítica que fez do meu livro foi mais perfeita e precisa do que se eu tivesse escrito uma nota de intenções. Se o objectivo de um escritor é encontrar um leitor, naquele momento eu fiquei a saber que o Eduardo Prado Coelho tinha lido precisamente o mesmo livro que eu escrevi (ou quis escrever). Analisou a história e a estrutura ao pormenor e pôs os dedos em todas as minhas feridas. Até hoje é a única análise extensivamente lúcida do meu livro (para além da carta de rejeição que a Oficina do Livro me enviou).

Encontrar um leitor assim, capaz de analisar e compreender a nossa obra com tanta minúcia e inteligência e capaz também de verbalizar esse entendimento, é a maior dádiva que um escritor pode esperar.

Só voltei a cruzar-me com o Eduardo Prado Coelho passado um ano dessa apresentação, uma vez na rua. Disse-lhe boa tarde. Ele não me reconheceu e não respondeu. Não importa. Estou-lhe eternamente grato porque sei que contei todos os meus pecados a um sacerdote da letras portuguesas e fui absolvido.
Descanse em paz esteja onde estiver.

1 comentário:

Lis disse...
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