sexta-feira, 8 de julho de 2005

Livros Infantis

A propósito da conversa que tem tido lugar no blog
http://escreverparaoboneco.blogspot.com/
ocorre-me dizer algumas coisas enquanto designer e escritor:

A sensação que me fica da grande maioria dos livros infantis portugueses é que são coxos. Um livro infantil tem de se apoiar em quatro patas para poder avançar em condições. São elas: escritor, ilustrador, editor, designer.

Destes quatro parece-me que quem anda a fazer pior trabalho são os editores porque são eles que têm de coordenar os outros três. Não me parece correcto andar a dizer aos outros como devem fazer o seu trabalho, mas há coisas que são tão óbvias que não sei como podem ser ignoradas. Pelos vistos alguém de fora tem de as dizer...

1 - OS ESCRITORES

- Os textos de autores estrangeiros publicados em Portugal deviam ter traduções e revisões mais cuidadas. Aparecem erros escabrosos e não são poucos.

- Os textos de autores portugueses que são escolhidos para publicação previligiam autores mais antigos, que, em certos casos, estão tão velhos que quase perderam a noção do público para quem escrevem. Continua-se a publicar quem sempre se publicou sem qualquer apreciação crítica.

- Há poucos (bons) autores novos a surgirem: primeiro porque pouca gente escreve para o público infantil; segundo porque os que escrevem são grandemente ignorados pelas editoras; terceiro porque as editoras não se dão ao trabalho de editar o trabalho dos escritores, com isto quero dizer, sentar-se com o escritor e descobrir maneiras de melhorar um texto com potencialidades. Os editores estão à espera da papa feita e querem a obra prima instantânea. Esquecem-se que os diamantes precisam de ser lapidados para poderem brilhar. Por isso é que poucas joias aparecem e quase tudo parece cascalho.

- Devido a esta (se calhar falsa) falta de escritores para o público infantil muitas editoras julgam que basta pedir a um escritor de ficção consagrado um pequeno conto para crianças. Nem sempre daí resultam boas coisas porque, mais uma vez, há falta de comentário crítico por parte dos editores (desta vez acrescida de reverência bacoca pela obra literária do escritor)

2 - OS ILUSTRADORES

- A escolha de ilustradores pelas editoras parece muitas vezes o Padrinho a arranjar biscates para os afilhados. Não lhes parece óbvio que para terem um bom livro é preciso escolher um ilustrador de acordo com o ambiente do texto de modo a que o universo visual e escrito se complementem??? Será exagero meu pensar que muitas vezes os editores não leram o texto do escritor e não conhecem o trabalho do ilustrador que contratam?

- Algumas editoras vêm o ilustrador como o tipo que é contratado para "fazer uns bonecos". Esquecem-se que em livros ilustrados eles são responsáveis por metade (ou mais) do trabalho. Eles também estão a contar uma história.

- Mais uma vez, não há posição crítica dos editores face ao trabalho dos ilustradores. Poucos percebem como é feito o trabalho do ilustrador e não lhes pedem esboços que deveriam ser discutidos com os escritores e designers. A criação de um livro infantil ilustrado tem de ser um trabalho de grupo. Na maioria das vezes o ilustrador é deixado ao abandono, sem noção do que se pretende. Isto resulta frequentemente em escritores insatisfeitos e ilustradores mutilados pelo design.
Aponte-se tambem o comportamento snob de muitos ilustradores que se julgam "artistas" e como tal impremeáveis a críticas, sugestões e comentários. Frequentemente evitam esforçar-se em melhorar o seu trabalho utilizando frases como "isso é contra o meu universo pictórico / a minha sensibilidade cromática", etc... Esquecem-se que o ilustrador serve o livro e usam o livro como uma ocasião para, de facto, fazerem mais alguns dos "seus bonecos".

3 - OS DESIGNERS

- A grande falha dos editores portugueses. Por questões de custo, a maioria das vezes, os livros infantis vão parar a um "gabinete gráfico" onde um estagiário "põe as letras nos livros". Há que perceber que um designer é a pessoa que coordena visualmente TODO o livro. Por isso tem que entrar no processo de produção praticamente ao mesmo tempo que o ilustrador.
Um designer deve ser um Director de Arte e um Consultor Técnico de produção. Um editor NÂO TEM (nem tem de ter) capacidade e competencia para fazer esse trabalho.

- Confiar numa gráfica para a impressão de um trabalho é o mesmo que achar que o drácula pode ser baby-sitter. Compete ao designer ir para a gráfica ver o trabalho a ser impresso porque ele é a pessoa que deve ser responsável pelo total visual do livro precisamente por ter acompanhado todo o processo da sua criação. Prescindir deste trabalho é estar condenado ao fracasso.

4 - OS EDITORES

- A visão crítica que o Editor deve ter sobre o trabalho do escritor, do ilustrador e do designer, para além de ter de ser óbviamente construtiva (vale de alguma coisa estar a fazer críticas destrutivas?!), tem de ser fundamentada. Para isso é preciso que o Editor tenha um conhecimento básico da função que cada uma das partes tem na criação do livro. Isto não é pedir muito - é pedir que façam o trabalho que lhes compete.

- Um editor tem que saber o catálogo que tem e que tipo de catálogo está a criar. A edição de livros é, e deve ser, lucrativa. Um mau livro é mau para toda a gente. Infelizmente, grande parte das editoras editam livros simplesmente porque sim.

- A primeira noção que um editor deve ter é saber O QUE É UM LIVRO. A maioria não sabe, embora viva rodeado deles.
Cada livro editado devia ser motivo de orgulho para o editor. Infelizmente, o que se vê é editoras a escolherem ao acaso o que publicam e a apressarem toda a gente para cumprir prazos ridiculamente apertados - que simplesmente não se justificam porque assim que o livro fica pronto é quase imediatamente esquecido e a promoção (quando existe!) dura pouco mais de um mês.

- Não adianta estar com orçamentos apertados para se editar livros maus (porque feitos à pressa e sem os devidos recursos). Com livros maus ninguém ganha dinheiro. Dinheiro compra tempo e qualidade - qualidade gera lucro. Isto é muito simples, mas parece que ninguém percebe.


.......

É claro que há mais coisas que eu podia dizer, mas provavelmente iria descambar para a crueldade. Hoje fico-me por aqui.

2 comentários:

João M disse...

Ena! Obrigado pelo insight.

Eu uma vez vi um livro infantil que, basicamente, consistia num urso que gostava de levar tau-tau. Acho que foi na Barata de Campo de Ourique. Achei aquilo surreal, mas era mesmo um livro infantil.
Ainda hoje me odeio por não o ter comprado.

Anónimo disse...

tau-tau, dava-te eu a ti, joãozinho.

quanto á crueldade, vai-te foder.