domingo, 31 de maio de 2009
Vida em Veneza (O Segredo)
Voltei de uma semana de férias em Veneza.
A editora do B tem lá um apartamento à disposição dos escritores, basta reservar. (Sim, grátis! O contraste com as editoras portuguesas dá vontade de rir!)
Só tinha estado em Veneza durante um dia de inverno. O impacto com a grande máquina húmida de turismo deixou-me um bocadito desapontado mas uma semana de alojamento grátis, no verão, num dos sítios mais espectaculares do mundo não se recusa, e assim lá fomos nós.
Agora, do cimo da minha colina de conhecimento e sólida experiencia adquirida durante uma semana posso-vos garantir uma coisa: Veneza é sem dúvida o PIOR sítio do mundo para ser turista.
No entanto há um grande segredo, que vos vou revelar aqui (só porque sou simpático e mete-nojo): Veneza é também o MELHOR sítio do mundo para ser turista. E para poder usufruir desse previlégio basta um pequeno truque: fingir que se mora lá.
Para se apreciar Veneza é preciso perceber a sua dualidade e aprender a viver com ela. Como qualquer dama misteriosa, seduz todos, mas só se dá a quem se esforça. (ou, em termos mais rudes: não é uma puta barata (embora muitos esperam que seja)
Tudo o que um turista normal faz em Veneza é caro e mau:
- Os hotéis cobram um balúrdio por um quartinho húmido.
- Os restaurantes são TODOS -MAS ABSOLUTAMENTE TODOS- maus. E caros. E quando não são assim tão maus, são caríssimos, o que é o mesmo que mau.
- Os museus metem dó. Ver obras primas da pintura enegrecidas, sem ar condicionado, frente a janelas abertas para vielas poeirentas entre uma torrente de japoneses (foto=flash!), americanos ("vamos falar de outras coisas como se não estivessemos aqui") e espanhóis (deixa raspar a ver se é mesmo tinta...), tira a qualquer um a esperança na humanidade.
- Os vaporettos são caros e incómodos e a cidade é um labirinto onde não tem piada perder-se quando se quer chegar rápido a qualquer sítio.
Portanto o truque é alugar um apartamento (ou arranjar amigos que tenham um para emprestar - na era da internet, tudo é possível). A partir do momento em que se finge que se mora lá, Veneza abre-se como se fosse um segredo que é só para nós. Há uma enorme diferença entre um Verdadeiro-turista e um Falso-veneziano.
Verdadeiros-turistas fazem coisas que não fariam em casa.
A primeira surpresa quando se passa a agir como Falso-veneziano é descobrir que o melhor da cidade ou é grátis ou é barato:
A partir do momento em que se percebe que as lojas só vendem tralha inútil/pirosa ou itens de luxo a preços hilariantes (sandálias lindas = 300 euros) Veneza transforma-se no melhor museu aberto do mundo. As ruas são lindas, os canais são lindos e todas as lojas fazem parte do grande museu do extremo kitsch ou do extremo bom gosto.
Dispensar restaurantes significa cozinhar em casa. Nada nos faz entrar melhor no espirito de uma cidade do que acordar de manhãzinha para ir à padaria, depois ao talho, depois à mercearia, depois à frutaria, depois à loja da pasta fresca, etc... Até esperar 15 minutos para pagar o papel higiénico na drogaria (porque o dono tem muito para explicar ao cliente anterior sobre pregos e parafusos) tem o seu charme.
Também há uns supermercados-oásis, mas saber onde são é para um nivel acima dos venezianos iniciados (leva mais de uma semana para os cartografar).
Descobrir as frutarias-barco é o mais pitoresco e o que destingue o verdadeiro-turista do falso-veneziano. Que verdadeiro-turista compra meio quilo de cebolas, cabeças de alho e um vasinho de manjericão? É bom atendimento garantido. E pode dar direito ao piscar de olho do homem da frutaria que nos garante que estamos a partilhar o mesmo segredo exclusivo: que estamos no paraíso (tomates tão deliciosamente maduros devem ter sido beijados por anjos) e todos os turistas à nossa volta estão no inferno (as piores pizzas do mundo comem-se aqui).
Veneza em pura dualidade: Notem a gondola para verdadeiros-turistas ao lado da barca da fruta para verdadeiros e falsos-venezianos
Passar uma longa temporada em casa própria também permite um outro tipo de vivência, essencial à sanidade mental, que é o horário-finta-turistas. Ou seja, usar a cidade nas horas em que os turistas estão distraídos.
Exemplo prático: Acordar tarde e comprar comida no bairro onde se mora. Apreciar o olhar esgazeado e os movimentos de barata-tonta-com-mapa dos recém-chegados à cidade do interior plácido da frutaria. Voltar a casa e tomar um looongo pequeno-almoço sem pressas, saindo por volta do meio-dia. Entrar no palácio dos dogues entre o meio-dia e meia e a uma (não há fila porque todos os turistas estão a almoçar).
Saindo de lá duas horas depois e gastando mais uma hora para atravessar nas calmas a cidade até à Academia, dá direito a entrada quase directa num dos museus mais visitados do mundo. Pelas 4 da tarde, quase todos os turistas estão KO e no fim da sua maratona histérica (não adivinham que quase todos os museus estão abertos até às 19h). O falso-veneziano ainda está fresco e pode abancar frente à "Tempestade" de Giorgione o tempo que quiser sem vivalma lhe passar pela frente.
O regresso a casa faz-se num sentido contrário ao de uma cidade que se esvazia da população temporária. Compra-se um tiramisú inteiro numa pastelaria. Serve de sobremesa para 2 pessoas durante 4 dias.
Depois do jantar, volta-se a sair de casa. É escolher entre conviver com outros falsos-venezianos numa esplanada, ou simplesmente sentar numa praça e ver as crianças a jogar à bola, os cãezinhos que saem a cagar e os velhotes que apanham o fresco. Tudo isto no mais extraordinário cenário do mundo.
Só um veneziano consegue atravessar a praça de São Marco em serenissima passada contemplativa. Note-se neste caso como o Børge (falso-veneziano) consegue elaborar virtuosamente um ornamento gay à sereníssima passada.
Agora que vos revelei O SEGREDO (o verdadeiro, melhor que o daquele livro), ide. Arranjem uma casita (ou um palazzo, porque não) e sejam Falsos-venezianos (uma semana é o mínimo tempo requerido para o título). Aprendam a ignorar os turistas e até, quem sabe, a divertir-se com eles enquanto vivem o previlégio de estar num dos sítios mais extraordinários do mundo.
Praça de São Marco: incontornável para toda a gente. Mas o falso-veneziano, depois de lá estar, marca com uma cruz: been there, done that.
MAIS DICAS:
- Comprar um bilhete semanal do vaporetto são 50€ muito bem investidos.
- Santa Helena é um bairro tão à ponta da ilha que a maioria dos turistas nunca lá vai. Ao domingo, com as lojas fechadas e à hora da sesta é como uma cidade fantasma.
- A melhor arte não está nos museus, está nas igrejas. Vale a pena meter o nariz em todas: nunca se sabe o que está lá dentro. Além de serem grátis, pode-se passar o tempo que se quiser lá dentro e dá para sentar.
- Ao fim de 3 ou 4 dias é importante sair da cidade e ir a terra firme (Vicenza, Verona ou Pádua recomendam-se). O regresso a Veneza volta a lembrar-nos quão fabulosa a cidade é e que ser um Falso-Veneziano é um previlegio.
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2 comentários:
e de repente apetece-me tornar-me num falso lisboeta
Eu comprei uns deliciosos espargos nessa barca-frutaria :)
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