É raro eu dar-me ao trabalho de expressar opiniões aqui no blogue. Não tanto por não as ter, mais por achar que não vale a pena partilhá-las. Mas hoje, enquanto lia esta entrevista ao responsável editorial da Porto Editora, Vasco Teixeira, mais uma vez me senti provocado pelo actual modelo de negócio das editoras livreiras.
Não foi nada pessoal. Embora a entrevista mostre uma visão clara e realista sobre o panorama actual do negócio da edição portuguesa, para mim é apenas mais uma de centenas de entrevistas a pessoas (de todo o mundo) que ainda não perceberam bem como o ebook lhes vai mudar a vida.
Tudo reside na questão de ainda se pensar num ficheiro digital como um equivalente a um objecto físico. Porque insistem nisso? A realidade é muito simples: Não se pode vender um ficheiro como se vende um objecto porque a sua duplicação pode ser gratuita e imediata. Quando toda a gente tem acesso a essa tecnologia de duplicação e a duplicação não implica custos ao autor do original, não se pode cobrar pela cópia. É por isso que estar a pedir que governos façam legislação sobre pirataria acaba por ser uma imensa perda de tempo.
Mas o que as industrias de musica e de cinema estão finalmente a aprender é que as pessoas não querem comprar UM disco ou UM filme. Querem acesso a TODOS os discos e filmes, em qualquer sítio e em qualquer momento. Isso actualmente já é possível graças a serviços de streaming como por exemplo o Spotify (para música) ou o Mubi ou Voddler (para filmes).
É um pedido razoável da parte dos consumidores: Se posso ter acesso a tudo, porque é que não tenho? É a mais básica regra de oferta e procura e enquanto as industrias culturais não derem resposta a isto terão de sempre de lutar (em vão) contra a pirataria.
Acesso é a palavra chave. No mundo digital, acesso é o mesmo que posse. O que estas indústrias que não produzem um produto físico têm de aprender é que não podem vender posse... mas podem vender acesso!
Como demonstram muitos casos, os consumidores não querem pagar por um produto que pode ser copiado gratuitamente mas estão dispostos a pagar por um serviço de qualidade que lhes disponibilize o produto que querem, quando querem. 10 minutos passados a explorar o Mubi.com (ou, melhor ainda, mubi na playstation3) chegam para perceber que é muito mais vantajoso pagar uma taxa mensal a um serviço destes do que perder precioso tempo à procura e a baixar filmes piratas.
Então porque é que as editoras ainda querem pensar em vender livros digitais à unidade? A resposta cínica: porque apesar da pirataria ainda vão ganhar muito dinheiro durante alguns anos. A resposta talvez mais realista: porque não sabem qual é o cerne do seu negócio - simplesmente não sabem o que estão a vender.
Neste momento, o maior vendedor de ebooks é a Amazon. Nesta loja, o preço de um ebook é apenas ligeiramente mais barato do que o de um livro em edição de bolso. Porquê?! Os ficheiros nem sequer estão disponíveis para que quem os comprou lhes dar o uso que quiser, ficam trancados dentro do kindle (ou kindle reader)! Ou seja, não se está a comprar nada mais do que um serviço.
Na prática, enquanto consumidor, eu não vejo diferença nenhuma no meu iPod entre o programita Spotify – que me dá acesso a (quase) toda a música do mundo por uma pequena taxa mensal – e o programita Kindle que só me está a dar acesso a 4 livros que paguei a um preço igual ao da taxa mensal do Spotify.
Enfim...
Voltando à questão de as editoras não saberem qual é o seu negócio: Entre 2003 e 2008 trabalhei e contactei com muitas editoras portuguesas, enquanto autor e enquanto designer gráfico. O que sempre me pareceu estranho foi muita gente neste negócio não saber qual é o seu papel, a sua função.
Para começar, senti que os editores portugueses se desmarcavam da sua responsabilidade de garantir a qualidade do texto produzido pelos autores. Senti que talvez 80% das vezes a revisão de texto se limitava apenas a uma revisão ortográfica. Aconteceu com muitos livros que paginei e aconteceu com o romance que escrevi. Atentem nesta resposta da entrevista que referi no início:
"Imagine um livro de um autor português conhecido: a editora que o publica pouco ou nada faz. O autor escreve o livro e envia-o por email, e provavelmente sugere a imagem para a capa. A editora só tem de contratar um paginador. Se for ficção estrangeira, o editor tem uma intervenção importante na escolha do tradutor e no editing, e desempenha um papel muito relevante, que é o de fazer com que as obras cheguem ao público. Mas acrescenta pouco aos livros e as competências técnicas que se lhe exigem são restritas. Editar um livro escolar custa talvez 20 vezes mais, requer mais tempo e envolve muito mais pessoas. Para um editor escolar, publicar literatura ou ensaio é fácil. O difícil é gerir bem a linha editorial."
Depois, a questão da promoção e distribuição. Começa por muitas editoras não saberem o que editam. Há certamente individuos numa editora que conhecem o conteúdo dos livros editados, mas a partir do momento em que sai impresso da gráfica, o livro cai nas mãos de um monstro sem cara chamado "Distribuição", para o qual todos os livros são como salsichas, com a diferença que umas vendem mais do que outras, vá-se lá saber porque... e ninguém vai lá saber porquê.
A grande revolução que virá do livro digital é precisamente o consumidor deixar de precisar desta distribuição de salsicha e passar a exigir o acesso directo à fábrica. Quando os editores perceberem isto, então sim, estarão em condições de fazer negócio e justificar o seu papel de intermediários entre autores e leitores.
Eu acredito muito no livro em suporte digital. Veja-se como só aconteceram coisas boas à musica nos últimos 15/20 anos por causa disso. Acredito que o mesmo acontecerá com a Literatura.
Quanto aos editores e ao negócio do livro, prevejo uma purga. Já fazia falta.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
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